No dia 25 de agosto de 1961, o país foi surpreendido pela renúncia do Presidente Jânio Quadros, episódio que desencadeou uma crise política sem precedentes na história republicana e que, de certo modo, desaguou, menos de três anos depois, no golpe militar de 1964.
Jânio Quadros No início da década de 60, o mundo vivia sob o impacto da guerra fria. A América vivia dias agitados, com a revolução cubana, a invasão da Baía dos Porcos e outras crises políticas decorrentes do confronto entre esquerda e direita.
Kennedy, Kruchev, De Gaulle, Castro, os poderosos de então eram representantes de uma geração de políticos que se julgava capaz de mudar os rumos da história e das nações, pelo poder de seus argumentos e a força de seus arsenais, convencionais ou nucleares.
Do momento da renúncia de Jânio, na manhã do dia 25, ao 7 de setembro, quando foi empossado o vice João Goulart, o Congresso Nacional trabalhou para garantir o cumprimento da Constituição e impedir um golpe de estado. Iniciativa reforçada – é bom lembrar – pela Campanha da Legalidade, articulada a partir do Rio Grande do Sul pelo então governador Leonel Brizola, que mobilizou a mídia e a sociedade em defesa da posse do vice.
No primeiro momento, com serenidade, Câmara e Senado evitaram polêmicas sobre a renúncia do Presidente, como queriam seus aliados. No mesmo dia 25 de agosto, com agilidade, o Congresso empossou na Presidência da República o deputado paulista Ranieri Mazzilli, então Presidente da Câmara e primeiro nome da linha sucessória, em virtude da ausência do vice-presidente João Goulart, que estava em viagem oficial à China.
E, finalmente, ao longo de 12 dias, os deputados e senadores formularam uma saída política através do parlamentarismo para viabilizar a posse de Goulart, que sofria veto dos ministros militares e de forças conservadoras da sociedade civil. Por suas ligações com o sindicalismo e outros grupamentos de esquerda, o vice-presidente - também conhecido como Jango - já era mal visto pelos militares bem antes da crise.
Naquela época, o eleitor podia votar em candidatos de diferentes partidos para Presidente da República e vice. Goulart não integrara a chapa de Jânio, pois pertencia aos quadros trabalhistas (Partido Trabalhista Brasileiro - PTB), enquanto Jânio chegara à presidência por uma aliança partidária de centro-direita, encabeçada pela União Democrática Nacional – UDN .
O regime parlamentarista de governo foi adotado por meio de um Ato Adicional aprovado pelo Congresso no dia 2 de Setembro, que marcou a posse de Goulart no dia 7 e fixou seu mandato na presidência até 31 de janeiro de 1966, sob o parlamentarismo. Na realidade, a experiência parlamentarista durou menos de um ano e meio, encerrando-se em janeiro de 1963, em cumprimento aos resultados de um plebiscito que, por mais de 80 por cento dos votos, decidiu pela volta do presidencialismo. Jango, que trabalhou para derrubar o parlamentarismo, foi deposto pelos militares em março de 64.
A conjuntura
Herdeiro da inflação gerada pela construção de Brasília e outras realizações do governo JK, de elevado déficit orçamentário e de sérias dificuldades enfrentadas pela agricultura nacional, Jânio prometera, na campanha e no discurso de posse, melhorar o padrão de vida da população, promover a distribuição de renda e elevar os níveis de emprego – intenções que se chocaram com a realidade econômico-financeira que ele encontrou.
Jânio assumiu em 31 de janeiro e pôs logo em prática uma política econômica austera, simultaneamente a uma política externa de aproximação com os países socialistas, que incluiu o restabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética e condecoração ao guerrilheiro Ernesto Che Guevara, um dos nomes mais emblemáticos da Revolução Cubana e dos ideais revolucionários da época, em todo o mundo.
A crise já estava em andamento, nas queixas e resistências do setor produtivo às medidas econômicas e, dos militares, à política externa, quando o próprio Jânio forneceu mais um pretexto para a coesão dos seus opositores. No dia 19 de agosto ele condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, provocando grande indignação entre os militares e em parcelas mais engajadas da sociedade civil.
Em indisfarçável confronto, o governador Carlos Lacerda – uma das figuras centrais da crise anterior que resultou no suicídio de Getúlio Vargas – entregou as chaves do então estado da Guanabara ao líder anticastrista Manoel Antonio Verona. Além disso, vários integrantes das forças armadas devolveram suas condecorações.
No dia 24, Lacerda protagonizou outro episódio no mínimo embaraçoso, senão hostil, à presidência de Jânio. Informado, pelo Ministro Pedroso Horta, de que Jânio estava decidido a apressar uma reforma constitucional, com vistas à ampliação das prerrogativas do Executivo, o governador da Guanabara ocupou uma cadeia de rádio e televisão para acusar Pedroso Horta de tê-lo convidado a participar de um golpe.
Hélio Silva, na sua História da República Brasileira, transcreve o trecho mais veemente da fala de Lacerda:...”A crise, pois, resume-se numa trama palaciana, de homens medíocres, tentando resolver por meios ilegítimos as dificuldades do regime brasileiro. O motivo do nosso protesto é a esperança de que o barulho de tantas vozes acorde a consciência pública do Presidente da República, que jaz adormecido no ermo de Brasília”.
Jânio assumiu em 31 de janeiro e pôs logo em prática uma política econômica austera, simultaneamente a uma política externa de aproximação com os países socialistas, que incluiu o restabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética e condecoração ao guerrilheiro Ernesto Che Guevara, um dos nomes mais emblemáticos da Revolução Cubana e dos ideais revolucionários da época, em todo o mundo.
A crise já estava em andamento, nas queixas e resistências do setor produtivo às medidas econômicas e, dos militares, à política externa, quando o próprio Jânio forneceu mais um pretexto para a coesão dos seus opositores. No dia 19 de agosto ele condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, provocando grande indignação entre os militares e em parcelas mais engajadas da sociedade civil.
Em indisfarçável confronto, o governador Carlos Lacerda – uma das figuras centrais da crise anterior que resultou no suicídio de Getúlio Vargas – entregou as chaves do então estado da Guanabara ao líder anticastrista Manoel Antonio Verona. Além disso, vários integrantes das forças armadas devolveram suas condecorações.
No dia 24, Lacerda protagonizou outro episódio no mínimo embaraçoso, senão hostil, à presidência de Jânio. Informado, pelo Ministro Pedroso Horta, de que Jânio estava decidido a apressar uma reforma constitucional, com vistas à ampliação das prerrogativas do Executivo, o governador da Guanabara ocupou uma cadeia de rádio e televisão para acusar Pedroso Horta de tê-lo convidado a participar de um golpe.
Hélio Silva, na sua História da República Brasileira, transcreve o trecho mais veemente da fala de Lacerda:...”A crise, pois, resume-se numa trama palaciana, de homens medíocres, tentando resolver por meios ilegítimos as dificuldades do regime brasileiro. O motivo do nosso protesto é a esperança de que o barulho de tantas vozes acorde a consciência pública do Presidente da República, que jaz adormecido no ermo de Brasília”.
Interesses
Cabe assinalar que na véspera da condecoração de Guevara, dia 18, Lacerda estivera em Brasília para tratar com Jânio de uma questão do seu particular interesse – a situação falimentar do jornal Tribuna da Imprensa – e a disposição inclusive de renunciar ao governo da Guanabara, para que, na expressão de Hélio Silva, esse ônus tão pesado não recaísse “sobre os ombros do seu filho Sérgio”, que vinha dirigindo o jornal.
Um mal entendido azedou as relações entre o governador e o Presidente. Como Pedroso Horta pediu ao mordomo do Palácio do Alvorada que levasse a mala de Lacerda à portaria – para evitar a identificação do Governador, ele se considerou vítima de uma “ignomínia”, pois entendia que o próprio Jânio mandara retirar sua mala do Palácio, onde pareceu considerar-se hóspede.
Foi nesse ambiente conturbado por problemas políticos diferentes na natureza e na dimensão que Jânio apresentou sua renúncia no dia 25 de Agosto – uma sexta-feira, Dia do Soldado. Naquela madrugada, os deputados José Maria Alkmin e Paulo Lauro haviam apresentado requerimento a Ranieri Mazilli, solicitando a convocação do Ministro da Justiça, para que ele prestasse à Câmara esclarecimentos sobre os “fatos graves” denunciados pelo governador da Guanabara. Também circularam versões indicando que outras figuras relacionadas à crise – incluindo o próprio Presidente – poderiam ser convocadas.
Às 8 horas da manhã, nas comemorações do Dia do Soldado, Jânio fez um discurso em que reafirmou seu compromisso com os ideais “democráticos e cristãos”, repudiando, ao mesmo tempo, qualquer forma de subversão ou “infiltração ideológica”.
Em seguida – já no Palácio do Planalto – anunciou sua decisão de renunciar aos chefes das Casas Civil (Quintanilha Ribeirio) e Militar (General Pedro Geraldo de Almeida), bem como ao Ministro da Justiça, Pedroso Horta, e ao seu Secretário Patricular, José Aparecido de Oliveira. Feita a comunicação, Jânio pediu que fossem chamados a seu gabinete os ministros militares.
A narração das horas seguintes consta do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, no verbete sobre Jânio: ”Ao deixar seu gabinete, às 10h25, Jânio ordenou que o Ministro da Justiça levasse o documento de renúncia ao Congresso Nacional às 15 horas e se comunicasse com os governadores, a fim de garantir a manutenção da ordem em todo o país”.
A mensagem ao Congresso - assinala o verbete – era formada de dois textos diferentes.
O primeiro, extremamente sucinto, dizia: “ Nesta data, e por este instrumento, deixando com o Ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República. Brasília, 25 de agosto de 1961”.
Bilhete de renúncia de Jânio Quadros
No anexo, explicava seu gesto: “desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, neste sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me porém esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou difamam, até com a desculpa de colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebrada, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio, mesmo, que não manteria a própria paz pública...”
No Congresso
O documento da renúncia foi transmitido ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, num encontro com os três ministros Militares. A Câmara tomou conhecimento do gesto por discurso em que o deputado Dirceu Cardoso, inclusive leu o texto assinado por Jânio. Após a intervenção de Cardoso, o deputado Osmar Cunha defendeu a posse de Mazzilli, como fator de preservação da legalidade - “para que não venha o golpe contra a nação”. O deputado Nestor Duarte considerou a atitude de Jânio “uma calamidade, um temporal” e exortou os congressistas a rejeitarem a renúncia.
Líder do PTB, Almino Afonso, manifestou estranheza com os argumentos da renúncia, observando que na madrugada daquele mesmo dia 25 os deputados haviam recebido a informação do Ministro da Guerra de que “todo o país repousava na ordem, na disciplina, no acatamento da lei”. Ao final, Almino, afirmava: “Nada, sr. Presidente, neste instante , permite, sob pena de nos considerarmos ingênuos, de aceitar que o documento corresponda à verdade dos fatos”.
Em aparte ao líder do PTB, o mineiro Gustavo Capanema, do PSD, antecipou, na essência, a fundamentação do senador Auro Moura Andrade para aceitar de imediato a renúncia. Eis o aparte: “A renúncia é, por definição, ato unilateral, irretratável (...) Não temos competência constitucional para aceita-la, para recusa-la, para aplaudi-la, para tomar qualquer pronunciamento em face dela”.. .
Às 16h45, por convocação do Presidente do Senado, Auro Moura Andrade, foi iniciada sessão conjunta do Congresso, com a presença de 230 deputados e 46 senadores, na qual Auro proclamou que a renúncia era um ato de vontade de Jânio Quadros, cabendo ao Congresso apenas tomar conhecimento dela e que, em razão da ausência do vice-presidente da República, a Presidência da República seria ocupada interinamente pelo Presidente da Câmara. A sessão foi rápida – apenas 20 minutos - e a posse de Ranieri Mazzilli, no Palácio do Planalto, ocorreu logo em seguida, às 17h15 do mesmo dia 25 de agosto.
O enigma
Político populista, conhecido por gestos teatrais e iniciativas polêmicas, Jânio foi enigmático até nas razões da sua renúncia. Adversários e aliados, com linguagem e propósitos diferentes, coincidem no entendimento de que Jânio não pretendia exatamente a renúncia.
O ex-chanceler Afonso Arinos, na sua História do Povo Brasileiro, levanta a hipótese de Jânio ter procurado uma fórmula “da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro de um novo regime institucional, ou, sem ele, forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em consequência, depois , a um outro cidadão – escolhido por qualquer via – presidir o país sob novo esquema viável e operativo”.
O Dicionário Histórico-biográfico faz referência a versões veiculadas por outras personalidades da convivência de Jânio. Do General Cordeiro de Farias: “A renúncia foi apenas uma explosão emocional. Ele não se controlou diante das dificuldades do momento e renunciou. Ele não havia preparado nada. Basta ver a surpresa que o gesto causou aos seus auxiliares mais diretos como Pedroso Horta, Quintanilha e José Aparecido”....
Palavras do próprio Jânio, reproduzidas pelo jornalista Carlos Castelo Branco: “Não farei nada para voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo. O Brasil precisa, no momento, de três coisas: autoridade, capacidade de trabalho, e coragem e rapidez nas decisões. Atrás de mim não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses três requisitos”.
Marcondes Sampaio -Agência Camara:www.camara.gov.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário